quinta-feira, 24 de maio de 2007

O Quarto...

"O Quarto" do mestre Van Gogh
Hoje, remexendo no baú da vida relembrei viagens e veio até mim Amesterdão, fascinante, cidade que mesmo antes de a pisar a senti como minha. Relembrei emoções, passadas naquele lugar tão especial, onde quase tudo é permitido.
Relembrei também um dos momentos altos, uma vivência de rara emoção só possível porque nos arriscamos a sair do nosso mundinho e voamos mais alto.
Qual Monalisa, qual Guernica, os entendidos que me perdoem mas o retrato do Quarto da Casa Amarela (estúdio que o pintor fundou em Arles) naquele maravilhoso museu de Van Gogh fez o meu coração bater mais forte e as pernas ficar mais bambas.
Sempre me senti atraída por ele. Desde pequena que olhava fascinada para "O Quarto" que espreitava cuidadosamente nos livros que povoavam o atelier dos meus pais. Atraída pela cor, pelo traço, pela aparente simplicidade e por mais qualquer coisa, dessas que se sentem, que nos tocam e que a explicação se encontra muitas vezes encerrada no nosso inconsciente.
Há uns anos, quando escrevi um artigo numa enciclopédia para pais, a editora perguntou-me como o queria ilustrar. "Com o quarto da Casa Amarela, respondi sem hesitar". Para mim ele é o retrato da infância, transmite tranquilidade, tem um cheiro próprio. Lembra-me a minha avó que me contava histórias à beira da cama, até ficar rouca, quando eu estava doente. Lembra-me o último momento de cada dia, sem excepção, em que a minha mãe entrava no quarto para dar o beijo de boa noite e aconchegar a roupa ao meu corpo... só depois sim, eu podia dormir e sonhar. Todas elas, lembranças quentinhas e prazeirosas que contribuíram para quem eu hoje sou.
Finalmente nessa minha viagem pude olhá-lo de frente, o verdadeiro, o único, o meu eleito e senti-me transportada para dentro de mim, alheada das pessoas à minha volta. Pensei no mestre que o pintou, um ano antes de se matar, amargurado, infeliz, doente, com fome e sem dinheiro, com vivências povoadas de traços familiares de loucura e certamente nada tranquilas.
Penso no que eu sinto e no que ele sentiu... não posso deixar de pensar de que o que aquele quarto me transmite possa ser a materialização do que ele também sempre quis ter e não teve.
Reza a história que foi em Arles e na Casa Amarela onde o pintor foi menos infeliz.
Viajar, o verbo mais rico do mundo.
Além de um quarto, também eu tenho uma Casa Amarela onde sou feliz.

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